Artigo: Mãe em presença integral

13/06/2020 0 Por Cris Freitas

Interessantes são as conversas que ouvimos nos longos períodos de espera em consultórios médicos, porém uma, em especial, chamou-me a atenção.  Uma das mães gabava-se de como a filha de 11 meses apresentava um desempenho espetacular na escolinha. Cheia de orgulho, relatou que quando ela (a mãe) desenhou no papel a forma de um sol, para sua surpresa, a filhinha disse “círculo”.  A mãe concluiu a história dizendo: “A melhor coisa que podemos dar hoje aos nossos filhos é a educação!”.

Tal pensamento, que não é isolado, reflete como a sociedade de hoje tem subtraído da vida da criança a presença fundamental da mãe para todo o seu desenvolvimento físico, emocional e espiritual, apresentando a escola como uma alternativa totalmente válida, aceitável e, até mesmo, desejável para que os pequenos tenham um futuro promissor. É com muita tristeza que vemos hoje os filhos indo cada vez mais cedo para a escola, porque seus pais acreditam que, no mundo das oportunidades, quem sair primeiro terá grandes vantagens.

Soma-se a isso o fato de que, muitas vezes, mães que querem voltar logo a trabalhar ou apenas resgatar seu tempo livre, encontram na escola a solução ideal, pois, afinal estão investindo na educação de seus filhos. O que elas talvez não saibam é que fazendo tal escolha, estão privando a criança daquilo que ela realmente mais precisa, ou seja, a presença da mãe em tempo integral. A maior necessidade de uma criança, na primeira infância, não é a de ser socializada ou ter seu potencial intelectual amplamente estimulado, o que ela precisa é estar perto daquela que é a única que poderá nutrir plenamente seus anseios, suas necessidades físicas e emocionais e que, sob a orientação do Espírito Santo, irá ensinar-lhe o caminho em que deve andar inculcando em sua mente os princípios que nortearão toda sua vida toda.

A presença da qual se fala aqui não é a de uma mãe que abriu mão de tudo para cuidar dos filhos, porém, no fundo, se ressente da escolha que fez e constantemente se lamenta por ter deixando de lado sua própria realização pessoal. Fala-se de uma mãe que entende a plenitude do papel que lhe foi dado por Deus, cumpre-o com excelência e se realiza nele, certa de que tudo o mais perde seu encanto quando enxerga em suas mãos o privilégio de construir algo que realmente vale a pena, sendo cooperadora com o Senhor na formação física, emocional e espiritual de seus filhos.

O relacionamento mãe e filho é o primeiro vínculo que toda criança experimenta, e será a base de todos os seus relacionamentos futuros. Quanto maior o tempo que a criança passa com a mãe e melhor a qualidade desta relação, mais sólido será o fundamento sobre o qual toda sua vida se estruturará. Estudos mostram que, quanto mais tempo a criança passa longe da mãe, menos positivo se torna seu relacionamento com ela1. Essa lacuna, que, em princípio, parece englobar apenas algumas horas durante as quais a criança está na escola, a longo prazo, trará grandes implicações para a formação de sua personalidade e, consequentemente, para todos os seus relacionamentos futuros: consigo mesma, com os outros e com Deus.

Em sua Teoria do Apego, Bowlby (1984) afirma que a privação do contato da criança com a mãe na primeira infância pode provocar sérias alterações na formação da personalidade infantil, sendo deletéria para seu desenvolvimento e, em decorrência disso, pode ainda trazer grandes danos à sociedade. A ideia central de sua teoria é a de que a relação mãe-bebê tem importância fundamental, uma vez que a mãe é o primeiro objeto de apego da criança, desempenhando papel principal nas experiências vivenciadas por ela nesse período, sendo, portanto, a única que pode atender plenamente a necessidade de apego que ela demanda. Sendo assim, seu afastamento implica grande prejuízo para o desenvolvimento da criança, pois esta perde totalmente seu ponto de referência e segurança2. É bem provável que, quanto mais cedo essa separação ocorrer, mais graves serão as implicações.

Há ainda um agravante. Quando colocada na escola, a criança, além de ser privada do contato com a mãe, o que já é em si prejudicial, torna-se exposta à influência do meio em que está. Ao nascer, a criança possui um temperamento próprio, porém, ainda não tem seu aparelho psíquico ou caráter estruturados. O ambiente à sua volta irá influenciar decisivamente na formação de toda sua personalidade. Podemos tomar como elemento de comparação uma massa de modelar, sua cor já está pré-determinada, contudo, a forma final que ela irá tomar dependerá daqueles que a manusearem. Essa massa, no início, se mostra extremamente maleável podendo ser, portanto, facilmente modelada. Todavia, à medida que o tempo passa, ela vai endurecendo e torna-se cada vez mais difícil alterar sua forma. Assim também a criança, em seus primeiros anos, está extremamente exposta à influência externa, uma vez que não possui filtros emocionais ou intelectuais para selecionar o que é correto ou não, e irá absorver e internalizar tudo o que vivenciar.  As atitudes, ideias e princípios daqueles com quem ela conviver, nesses primeiros anos de vida, estarão sendo impressos em sua psique infantil e dali não sairão. Será extremamente difícil, nos anos posteriores, alterar as concepções e o caráter já em fase de solidificação. Por toda sua vida, ela colherá o que for plantado nesta primeira infância.

Diante de tudo isso, as mães tem nas mãos uma importante decisão, conceder a seus filhos sua presença incondicional não abrindo mão de serem aquelas que irão deixar as marcas indeléveis na vida deles, moldando seu caráter e personalidade em conformidade com a Palavra de Deus, sendo elas mesmas a referência principal para o seu desenvolvimento emocional, moral e espiritual e, assim lançando os alicerces para uma vida de santidade, ou delegarem este privilégio para um outro qualquer que o fará a seu próprio modo, contentando-se apenas em descobrir que seu bebê de 11 meses já sabe identificar o que é um círculo.

SPITZ, Rene. O Primeiro ano de Vida. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

BOWLBY, J. Apego. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

BOWLBY, John. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

Sobre a autora: Cristina de Freitas Nascimento é formada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná. Casada com Paulo e mãe de Matheus, Renato e Rafael.